Embasamento na decisão mais recente do STF em matéria tributária: Coisa julgada e seus efeitos
Importante, inicialmente, esclarecer os principais pontos da tese fixada pelo STF, quais sejam: a limitação dos efeitos da coisa julgada em matéria tributária; a decisão pela não modulação de efeitos; a necessidade de observância da irretroatividade, anterioridade de exercício e nonagesimal; a tese fixada quanto as decisões do STF em controle incidental.
Insta salientar que a coisa julgada é uma garantia constitucional e encontra embasamento no artigo 5º inciso XXXVI da Constituição da República Federativa do Brasil, a saber: “A Lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”
O termo “coisa julgada” está relacionado com a sentença judicial, quando esta não admite mais a interposição de qualquer recurso. Conforme preleciona o CPC/2015, em seu art. 502: “Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.”
Nessa seara, um dos maiores fundamentos da “coisa julgada” é evitar a revisão de questões já decididas anteriormente pelo Poder Judiciário, com a finalidade de conferir a segurança jurídica das relações, bem como evitar a perpetuação dos conflitos sociais. Note-se que, analisando o papel do Estado, aquele que assegura ao jurisdicionado o livre acesso ao Poder Judiciário, após a resolução do conflito baseado em preceitos legais e o trânsito em julgado da demanda, a sua decisão, deve ser respeitada por todos, inclusive pelo próprio Estado.
Dessa forma, o princípio da segurança jurídica, sob o qual está embasada a coisa julgada, existe justamente para assegurar questões protegidas por uma determinada lei, mesmo que ela venha a ser substituída ou revogada posteriormente.
Ocorre que, recentemente, em 08 de fevereiro de 2023, o STF entendeu que a decisão judicial transitada em julgado deixa de produzir efeitos na hipótese em que a Corte declara a constitucionalidade da exigência tributária, desde que essa decisão siga rito que produz efeitos para todos os processos em tramitação. Ou seja, as decisões favoráveis aos contribuintes, com trânsito em julgado, serão automaticamente anuladas caso, posteriormente, o STF decida pela constitucionalidade do tributo discutido.
Essa decisão impacta, principalmente, as relações jurídico-tributárias de trato sucessivo, isto é, situações em que os efeitos da decisão perduram ao longo do tempo, como, por exemplo, os impostos que são apurados periodicamente.
A recente decisão é advinda dos recursos analisados (RE 955.227 e RE 949.297), em que o caso concreto se tratava de declaração de inconstitucionalidade da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), obtida pelo contribuinte na década de 1990, período em que houve o trânsito em julgado.
Após 17 anos, em 2007, o STF declarou a constitucionalidade da exigência da CSLL. Nesse período, as empresas recorreram novamente da decisão ao próprio STF e permaneceram à mercê de uma orientação sobre como agir, inclusive sem saber quando seria o pagamento da contribuição.
Dessa forma, com a recente decisão, surgiu a discussão sobre qual seria o efeito da declaração de constitucionalidade da CSLL, em sede de controle concentrado – ADI nº 15, nas ações individuais que foram consideradas favoráveis ao contribuinte, as quais já estão transitadas em julgado.
O ministro Luís Roberto Barroso, relator de uma das ações sobre a CSLL, afirmou que o STF sempre deixou claro para as empresas que o pagamento da contribuição se tornou obrigatório desde 2007: “De modo que a partir do momento em que o Supremo diz que o tributo é devido, quem não pagou fez uma aposta. Eu lamento. A insegurança jurídica não foi criada pela decisão do Supremo. A insegurança jurídica foi criada pela decisão de, mesmo depois da orientação do Supremo de que era devido, continuar a não pagar e não provisionar”.
Frise-se que a decisão recente do STF não se restringe somente ao caso da CSLL. Tal decisão afeta quaisquer tributos. Além disso, quando ocorrer “quebra” automática das decisões transitadas em julgado, foi decidido que deverá ser respeitado o princípio da anterioridade. Ressalte-se que as autoridades fiscais podem realizar a cobrança dos tributos a partir da publicação da ata de julgamento do STF que reconheceu a constitucionalidade do tributo.
A questão é peculiar e bastante temerária, vez que pode haver uma relativização da coisa julgada, trazendo insegurança jurídica para os contribuintes em relação aos demais casos.
Quézia Silva de Souza Queiroz.